Dificuldade
Limitação para cultivar as tradições
Índios Kaingang que moram no interior de Pelotas reclamam da falta de espaço para a prática da cultura indígena
Carlos Queiroz -
"O meu coração sempre está chorando. Quando eu paro e penso um pouco, parece que estou no meio de um presídio, pois parece que não tenho saída aqui, não tem espaço, estou preso." Esse é o desabafo do cacique Pedro Salvador, 58, ao se referir à realidade atual da tribo Kaingang localizada na Colônia Santa Eulália, no interior de Pelotas. Desde a ida para o local, em 2017, até hoje foram poucos os avanços obtidos de acordo com o grupo.
Nos 7,5 hectares de terra cedidos pela prefeitura, habitam 16 famílias, totalizando aproximadamente 60 pessoas. Porém, segundo Salvador, o espaço é insuficiente para a plantação e a prática de atividades da cultura indígena. Atualmente eles contam com iluminação elétrica, poço artesiano para o fornecimento de água e um posto de saúde. Por outro lado, falta até mesmo uma sombra, já que não há árvores nativas e frutíferas. Além disso, o espaço restrito dificulta a produção de alimentos importantes para a subsistência da comunidade, como batata e mandioca. A caça e a pesca, tradicional atividade indígena, também está prejudicada. "Hoje não tenho nem um pedaço de carne para comer com meus filhos", lamenta Salvador.
Conforme o cacique, o sentimento da comunidade é que o Poder Público precisa ampliar seu olhar sobre a tribo. "A história conta que os índios são os donos do Brasil e podem ir em qualquer lugar que acharem bom. Mas aquilo dos tempos do meu avô foi atropelado e hoje eu tenho vergonha de pedir a minha terra de volta para a Justiça. Eles precisam entender que preciso ter onde colocar meus filhos e meus netos para criar", reclama.
Dificuldades financeiras e culturais
O sustento do grupo vem através da venda de artesanatos produzidos por eles. No entanto, o pouco que recebem serve apenas para cobrir os custos com alimentação. Algo que poderia ser aliviado se conseguissem produzir pelo menos parte da própria comida, ao invés de comprar. Os indígenas afirmam que, para viverem de forma razoável, seriam necessários pelo menos 1,5 mil hectares onde, além de plantar, poderiam criar animais como galinhas e porcos.
Outro problema citado pelo cacique que surge também influenciado pelas dificuldades da vida no atual local é o distanciamento da cultura indígena. "Nossos filhos querem andar modernos. Querem ser igual a vocês [se refere às pessoas da cidade]", relata Salvador, apontando certa desilusão dos mais jovens quanto à realidade vivida na aldeia.
Plantando a mudança
Na última semana, o projeto Pomar, do Rotary Club Pelotas Oeste, realizou o plantio de 50 mudas de árvores frutíferas como amoreiras, laranjeiras, bergamoteiras e figueiras. A iniciativa partiu das associadas Celita Zanolla Jantzen, Elaine Machado Lopes e Lucila Sehn. Segundo Celita, a falta de árvores na localidade kaingang e a carência da aldeia motivaram a ação. As espécies plantadas foram escolhidas pelos próprios indígenas. "É importante para que voltem a ter contato com a natureza, ouvir os pássaros e voltem a ter aquela alegria de ver a criança pegar a fruta direto no pé", comenta.
O projeto conta com a parceria da Frutplan - empresa de mudas - e da Emater/RS Ascar. Segundo Robson Loeck, sociólogo da Emater, a plantação das árvores possui muitos significados, entre eles a diversificação de alimentos produzidos na aldeia e a questão cultural. "Os mais velhos cresceram em aldeias que tinham sombra e frutas à disposição e querem que os filhos também possam ter essa possibilidade", comenta. Ele ainda cita outras ações realizadas no local, como a recente construção de três açudes através do Programa Segunda Água do Governo do Estado, que vai possibilitar a criação de peixes. "Essa prática irá se somar à criação de pequenos animais e aos cultivos que já realizam de milho e feijão."
Auxílio do Poder Público
De acordo com a Prefeitura, mensalmente a aldeia recebe doações de cestas básicas que são fornecidas pela Secretaria de Assistência Social (SAS) e também outras instituições. Também ocorre a entrega de carnes e óleos (vegetal e animal) para o consumo dos indígenas. Além disso, o grupo também recebe mantimentos enviados pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) também presta atendimento todas sextas-feiras, quando equipes formadas por médicos e enfermeiros vão até a comunidade. Caso seja necessário atendimento odontológico, é feito agendamento para o profissional acompanhar os demais profissionais.
Em relação a área ocupada pela comunidade Kaingang, ela foi destinada ao grupo em 2016 através do Decreto 5.932, que indicou o lote para o "Especial Interesse Cultural do Povo Kaingang" e ocorreu após o grupo estar instalado em frente ao Terminal Rodoviário de Pelotas. De acordo com o Poder Público, no momento não há tratativas para aumentar o espaço da aldeia, no entanto, a Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) e a Procuradoria Geral do Município estão estudando uma medida judicial para a retirada de posseiros que acabaram invadindo parte da área.
Como colaborar
Interessados em contribuir com a comunidade indígena Kaingang podem entrar em contato pelo telefone (53) 99707-1343.
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